segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O fim do começo...

Aqui estou eu... No Brasil, em Valinhos, mais precisamente na sala de casa. Depois de um ano e dez dias fora do Brasil e já há quase seis anos sem morar com meus pais, volto a sentar nessa cadeira para escrever, aproveitando o pouco tempo de calma e silêncio, em meio a tantas festas, visitas e reencontros. 

Durante os últimos meses passei por muitas famílias, que me acolheram como filho e me ensinaram grandes lições, mas é agora, ao lado da minha verdadeira família que passo a sentir algo muito bom e intenso. Um sentimento único, que tentarei explicar.


Não consigo controlar a minha cabeça, ela não para de refletir e analisar tudo o que vivi no último ano e principalmente nas últimas semanas. Mostrar fotos e falar sobre a viagem faz parte do momento e isso só só me traz ainda mais reflexões.

A conclusão é rápida, óbvia, mas precisa ser dita: sou o cara mais sortudo do mundo e é muito bom estar de volta.

Sempre dei valor para o que tive, principalmente depois de sair do conforto da minha casa para passar a aproveitá-la apenas aos finais de semana. Porém agora, depois das experiências pela Austrália, Indonésia e principalmente pela África, tudo se tornou ainda ainda mais bonito para os meus olhos.

Minha família é linda, legal e carinhosa. O sofá da sala nunca foi tão confortável e a comida da minha mãe, que sempre foi (de longe) a minha preferida, hoje me da vontade de chorar, de tão boa que é. Desde a festa da recepção no aeroporto até o reencontro com os familiares e amigos, sinto-me perdido em tanta felicidade.

O conforto de casa é tão grande, que nem mesmo sei responder a simples pergunta que todos fazem: "Qual é seu plano agora?". Pois tudo o que quero é ficar aqui e aproveitar ao máximo, tudo aquilo que me encheu de saudades nos últimos meses.

Porém, o fato de estar de volta não trás só felicidade. Traz confusão! Fico, tentando entender tantas mudanças que eu encontrei por aqui. Estou reflexivo. Sei que está na hora de começar um balanço das experiências que vivi e analisar o que eu consegui trazer comigo disso tudo.

A primeira impressão veio assim que entrei em minha casa. O fato de ter me acostumado com as precárias instalações africanas e as bagunçadas moradias "estudantis" na Austrália, fizeram o meu queixo cair ao ver de novo o lugar que morei por mais tempo em minha vida. "Isso aqui parece um resort". Tomar banho quente, depois de dois meses sem essa regalia, que faz eu me sentir um rei.

Tanta alegria se mistura com um sentimento que beira a culpa. Culpa por viver em um lugar tão bom após ver tanta gente vivendo em condições tão ruins. Nada de ingratidão! Só queria que eles pudessem viver isso também. Enfim, comparações são inevitáveis e eu quase poderia prever que isso aconteceria.

Ao mesmo tempo em que vivo todas essas emoções por estar de volta, começo a sentir uma enorme gratidão por tudo o que vivi e aprendi. Principalmente, quanto a minha memória mais fresca: a África.

Aprendi ali as mais valiosas lições de gentileza, solidariedade, alegria e compaixão. Aprendi a ser igual e me comportar como um "ser igual" a qualquer outro do mundo, independente de raça, religião, classe social e blá, blá blá… 

A África me trouxe um monte de novos sentimentos, dos quais muitos ainda estão amadurecendo e talvez eu ainda precise de um tempo para entendê-los. 

"SAUDADE", uma das palavras que de tão bonita nem mesmo tem nem tradução em outras línguas, já não sai da minha cabeça. Bem ao lado dela, martela intensamente em minha cabeça a palavra "GRATIDÃO".

Agradeço por toda a experiência vivida na Austrália, Ásia e África, que de formas totalmente diferentes, me devolvem hoje ao brasil como um a pessoa muito diferente do que quando saí.

Fico agora com a grande, e não tão fácil, responsabilidade de me readaptar a vida brasileira e permitir que ela siga em frente. A missão de usar as experiências que mal acabaram, como um apoio para os próximos desafios.

Não vou considerar esse momento como o fim da minha jornada, mas sim como algo que está só começando, após um intenso e maravilhoso treinamento.

Mas planos mesmo, eu só farei daqui a um tempo. Agora tudo o que eu quero é abraçar minha família e comer um pouco mais daquele arroz, feijão e bife da minha mãe! Viva o Brasil, viva a minha casa!


sábado, 26 de janeiro de 2013

A cena está viva!






Fico muito feliz em ter encontrado em Maputo, a capital Moçambicana, uma das minhas maiores paixões. O skate!

Passei muito tempo da minha viagem, convencido de que o esporte nem mesmo era praticado por aqui, já que nunca havia visto skatistas ou lojas de skate pelas ruas. O espanto das pessoas ao olhar para o meu skate também era algo que só confirmava a minha teoria. Posso dizer que até mesmo ele, o todo poderoso Google, estava errado dessa vez quando mostrou "nenhum resultado" para skate em Maputo.

Mas confirmando as teorias do "antes tarde do que nunca", tive a sorte de conhecer amigos dos amigos até chegar a dois grupos, o "Maputo Skate" e a "Associação do skate de Moçambique (ASM)". Trocamos mensagens e logo eu já estava suspirando com a ansiedade de finalmente montar no brinquedo de novo, após ter praticamente me aposentado desde o início das viagens.

Trocamos mensagens e nos organizamos para um encontro no skate park, o único da cidade e até do país, segundo os skatistas que conheci por ali. Sobre a laje de uma garagem na parte de trás de um prédio, estão montadas duas rampas, um "caixote" de madeira e dois canos. Uma das rampas ainda está pela metade, o que só garante diversão mesmo para o pessoal da BMX (bicicletas de manobra), sempre presentes no local.

Aquele é único espaço que possibilita a evolução de esportes, que de tão pequenos, passam quase despercebidos por aqui. A falta de pistas obriga bikes, skates e patins  a conviver, de certa forma, pacificamente, em um mesmo local, fato raro nas pistas em São Paulo e no resto do Brasil. Essa tolerância só acaba quando um cruza o caminho do outro e gera algum acidente, mas tudo é resolvido com dois ou três gritos de cada lado.

Me orgulha ver, por tanto, a vontade que essa galera tem em aprender, evoluir e fazer crescer o nome do esporte. Como me disse um dos skatistas, eles são uma nova geração, que assumiu a responsabilidade de "manter a cena viva", já que a última geração de bons skatistas do país se aposentou depois de lutar (em vão) por muito tempo, atrás de melhorias para o esporte.

Se por um lado a estrutura é pequena, por outro, o comprometimento da gosto de ver. Estão sempre fazendo vídeos, tentando alguma divulgação na internet ou pensando em formas de levantar fundos para construir novas rampas. 

No final das contas, dinheiro acaba sendo o grande problema e isso é fácil de perceber quando vemos um mesmo skate (ou até mesmo um par de tênis) sendo dividido por dois ou três skatistas. 

A habilidade também me impressionou, o nível de dois garotos que chegaram depois de algumas horas que eu já estava por ali, mostra um potencial que poderia ser melhorado MUITO com um pouquinho mais de estrutura e equipamento. Mesmo com skates velhos, quebrados, tênis "all-star" furado e rampas em péssimas condições, Elísio Vinho e Nino Castigo estavam mostrando manobras de nível internacional. Algumas delas, arrancariam gritos dos skatistas até mesmo pelas pistas que já passei em São Paulo e ou na Austrália.

Quando pegaram o meu skate para um "rolê" então, ficamos todos impressionados com a rápida evolução nas manobras. (um deles mandou um half-cab, to crockett, saindo de switch)

No BMX não é diferente. Os Air triks (saltos com a bicicleta) e principalmente as manobras no flat-land (manobras no chão onde se envolve giros e equilíbrio com a bicicleta) são igualmente impressionantes.


Percebi também algo que eu já poderia prever: a hospitalidade. O fato de ser o único branco da pista não fazia ninguém me olhar torto. Muito pelo contrário, aproveitamos aquilo como um intercâmbio de ideias e principalmente de manobras, algo que percebo sempre que ando de skate em um país diferente.

Deixo meus parabéns pela iniciativa, habilidade e o comprometimento das galeras do MAPUTO SKATE e ASSOCIAÇÃO DE SKATE DE MOÇAMBIQUE. Foi uma satisfação dar um rolê com vocês, trocar uma ideia e principalmente ver tanto respeito pelo nosso esporte. Sei que Moçambique é um país cheio de dificuldades e que o governo deve tratar alguns outros assuntos com prioridade. Mas de qualquer forma, o que vocês fazem tem que ser feito por alguém e é isso que vai fazer o esporte ganhar mais espaço e respeito.

Obrigado parceiros, por manterem a "cena viva"!!!

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Positiva e soropositiva

O que você faria caso se apaixonasse perdidamente por alguém, se entregasse à essa pessoa e depois, em uma conversa muito delicada, descobrisse que ela é contaminada pelo vírus do HIV? Tentaria superar essa barreira ou fugiria? Isso não aconteceu comigo, mas já aconteceu muitas vezes com uma grande amiga que conheci por aqui. O lado triste dessa história é que ela é o personagem contaminado e todos os outros personagens, infelizmente escolheram a segunda opção.

Vina e seu típico (e contagiante) sorriso 
Talvina, uma guerreira de 32 anos, que trabalha como educadora na ONG ASSCODECHA, onde tenho voluntariado, da aula de teatro, dança e ensina lições de vida valiosas à muitas crianças do bairro do Chamanculo, em Maputo.

Uma pessoa de energia única e muito positiva. Gosta de uma boa conversa, mas só se abre sobre a sua vida pessoal com quem confia de verdade. Acredito que nem mesmo as crianças, que estão com ela todos os dias, sabem da sua condição, o que não muda em nada a relação de "segunda mãe" que tem com eles.

Não será a primeira vez que vocês me ouvem dizer isso, mas tive uma conexão muito boa com a Vina, como é carinhosamente chamada pelos amigos. Foram poucos minutos de conversa para que ganhássemos confiança um no outro e, depois de alguns dias, já nos chamávamos de "irmãos".

Sua história poderia ser triste, mas eu prefiro chamar de "bonita". Faço questão de contá-la, não pelo drama, mas sim pela sua superação, que é algo muito motivador. Contarei essa história com a mesma riqueza de detalhes que ouvi, mas antes disso preciso apresentar alguns dados sobre essa infeliz relação entre Moçambique e HIV, o inimigo nº 1 do país. 

A última estimativa oficial (Ministério da Saúde) diz que 11,5% da população adulta esteja contaminada, mas acredita-se que esse número seja ainda maior considerando a quantidade de pessoas que não fazem o exame e nem mesmo sabem da sua contaminação. Já uma linha nada oficial, que ouvi de amigos da minha idade, acredita que em todas as casas haja pelo menos um contaminado. Verdade ou não, o vírus está por aqui, andando solto por um país em que, mesmo com tantas campanhas, as pessoas preferem virar a cara para a problema. 

Na inocência da sua juventude, Vina não sabia muito sobre assunto, assim como a maioria das pessoas do seu convívio. Viveu um relacionamento com um soropositivo sem saber e, acreditem se quiser, descobriu que estava contaminada apenas 10 anos depois. Segundo ela me explicou, casos como esse são muito comuns, onde o vírus é contraído, mas só se manifesta muito anos depois.

Aquele era apenas o começo de uma vida turbulenta. Cheia de perdas e dores, que fizeram de Vina o que é hoje: uma guerreira com um poder maior do que até mesmo ela consegue entender.

Foi mãe aos 15 anos, no primeiro relacionamento de sua vida. Segurou essa barra sozinha, sem apoio da família ou do próprio namorado, que a abandonou para viver com outra mulher, com quem, por ironia do destino, se casou no mesmo dia em que Vina dava a luz. Para aumentar a tristeza, esse homem, por quem ela ainda guardava certa consideração, morreu atropelado antes que o filho João Carlos completasse seis meses.

Dois anos depois, começava o seu segundo relacionamento, dessa vez com um homem mais velho e já muito doente. Enfrentou barreiras impensáveis para alguém com 17 anos. A responsabilidade de sustentar a casa e cuidar do marido era tão grande, que nem mesmo pôde cuidar de seu filho, que teve de ser criado por um de seus irmãos. Já sem qualquer apoio familiar e vivendo em péssimas condições financeiras, o destino fez com que perdesse também o segundo homem de sua vida. 

Daquele relacionamento, não ficava só saudade. O homem, com quem viveu por dois anos, deixou à Vina um filho, ainda com semanas de vida, e também o vírus do HIV, o qual ela só descobriria muitos anos depois. 

Como se já não fosse drama suficiente em sua vida, o seu sogro, pai do homem que acabara de perder, começou a lhe assediar de forma ofensiva e constrangedora.

Quando as coisas finalmente ameaçaram melhorar é que veio a maior de suas dores. Ao mesmo tempo em que passava por sérias crises de saúde, era obrigada a ver seu filho também adoecer de forma rápida e preocupante. Já com dois anos de idade, e ainda sem andar ou mesmo engatinhar, a criança não resistiu. Era a vida, trazendo a ela a terceira e a maior de suas perdas.

Sem ter dinheiro nem para enterrar o filho, foram necessárias muitas doações de amigos para que ela pudesse prosseguir. Àquela altura, nem mesmo lágrimas lhe restavam.

Porém, depois de tantos dramas, a vida parecia lhe oferecer uma trégua. Voltou a estudar, morar na casa da mãe e, aos poucos, ver seu estado de saúde também melhorar. 

Foram 8 anos de certa estabilidade até que sua vida começasse a balançar novamente. Naquela altura, os sintomas do HIV já vinham com tudo e o sentimento de estar morrendo, sem nem mesmo saber o que lhe matava, a encorajou a fazer o exame.

No caso dela, o resultado veio como um alívio, já que ela não podia mais suportar aquela angústia. Ao receber o exame e ver que era positiva, tudo o que conseguiu dizer foi: "Graças a Deus". 

Dali em diante, as coisas não foram nada fáceis para Vina. Com a doença evoluindo, ela passou por dias muito ruins. Enfrentou dores intensas no corpo e outras ainda maiores na auto-estima.

O preconceito, seu maior inimigo até hoje, foi a grande causa de sua dor. Se cansou de ouvir na rua gritos de "doente", "assassina" e coisas muito piores, vindo de pessoas que a viam como uma possível "propagadora" do vírus. 

Tamanha dor só se amenizou quando Vina decidiu que era a hora de voltar a viver. Pediu dinheiro emprestado à uma amiga e, mesmo ignorando previsões de que ninguém compraria nada de uma "doente", ela começou a torrar amendoim e vender em uma barraca na rua. "Um amigo nem acreditou, quando passou por mim algumas semanas depois e viu a minha banca lotada". Disse ela, comemorando o início da sua grande virada.

Seu primeiro passo estava dado, mas o segundo sim que foi o mais importante. Vina, que tem um coração enorme, começou a pensar em formas de ajudar a comunidade. Formou um grupo de crianças para ensiná-los dança e teatro, ignorando o fato de que ela não tinha qualquer formação em nenhuma dessas áreas.

A coisa começou a andar e em pouco tempo ela já estava fazendo a comunidade sorrir. Esse momento também foi essencial para que ela descobrisse em si um talento enorme para dança, canto e teatro (talento que eu testemunho após assisti-las por algumas vezes!).

Como precisava pagar as contas, ela conciliava os trabalhos voluntários com jornadas como cozinheira e faxineira na ASSCODECHA. Como se poderia prever, não demorou muito para que a ONG descobrisse todo aquele talento e potencial, trocando a vassoura e a panela de suas mãos por uma sala cheia de crianças. 

Assim começava a grande missão de sua vida, que hoje ganhou o nome de "departamento de Juventude" da ASSCODECHA,  coordenado por ela e ajudando centenas de crianças da comunidade. Sua interferência não limita-se a apenas aulas de dança e teatro. Também sob sua coordenação estão aulas e competições esportivas, passeios educativos, exibição de filmes sobre questões sociais e também palestras à comunidade sobre alcoolismo, uso de drogas e HIV, a qual ela faz de forma particularmente bonita e emocionante.

Não conto essa história aqui por causa da doença, do drama ou do romantismo. Conto por conta da superação. A história da guerreira que deu a volta por cima quando a vida quis jogá-la para baixo. De alguém que soube usar tanta tristeza e sofrimento para se tornar uma pessoas mais forte e altruista. Um exemplo de determinação e solidariedade que merece ser compartilhado!

Assim como qualquer ser humano, Vina tem seus autos e baixos e, de vez em quando, o sorriso some e da espaço à lágrimas no seu rosto. Dúvidas surgem assim como lamentações por não ter uma casa, um marido ou uma (típica) família.

Acredito que tudo acontece na hora que tem que acontecer e, para aqueles que são grandes merecedores, como Vina, há de vir de forma muito especial. Corrijo ela quando a escuto dizer que ainda não possui nada. Pois o que ela tem é muito maior do que qualquer casa, carro ou riqueza.

Ela tem um dom, um talento e uma missão. Missão a qual tem cumprido de forma fantástica, salvando a vida de milhares de crianças jovens e adultos. Uma super-heroína, com o poder de transmitir aquele sorriso largo de seu rosto, para muitas outras pessoas, como eu e todas aquelas crianças que hoje a chamam de "segunda-mãe".

Vejo nessa história um enorme potencial para nos fazer repensar o real tamanho de nossos "problemas" do dia-a-dia. Como um exemplo de superação a ser seguido por pessoas contaminadas ou não pelo HIV. Como uma emocionante lição de vida, da qual eu espero sempre me lembrar.

Obrigado Vina, por ser tão especial!





"O bem me faz bem. É através do bem que tento transmitir aos outros, que o receberei de volta.
Viver tranquila é tudo o que quero … Descobri que através disso alcançarei a paz, no mundo e na alma. 
Amo minha vida, mesmo cheia de obstáculos" (palavras de Talvina Armando Manheça, em seu diário pessoal)


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Tamo vivo e "ao vivo"!

Entrevista ao programa JChat (TV TIM), apresentado por Ilode Aldevina 


Nunca imaginei, nem mesmo nos meus sonhos, que os meu projetos causassem um reação tão positiva nas pessoas depois que saíssem do papel. Talvez eu tivesse essa vontade, mas não essa pretensão. Não que eles estejam mudando drasticamente o mundo ou me tornando famoso. Sei que não, mas de certa forma, a resposta e a reação de cada amigo que vê meus vídeos, fotos ou textos é algo que tem me deixado incrivelmente feliz.

Ver que a coisa aconteceu, já teria sido suficiente. A experiência, a respostas dos amigos no facebook já teriam feito tudo valer a pena. Mas a coisa foi além do que eu pude imaginar. Quando vi, estava na televisão, falando sobre os meu planos, sonhos e experiências para todo um país.

Assistindo à exibição dos filmes 
Confesso que sempre me senti mais confortável fazendo perguntas do que respondendo. Com o tempo, perdi aquela "vaidade" que me consumia nos tempos da faculdade e do primeiro emprego. Hoje, já não faço mais questão de aparecer no vídeo e sei que nem preciso disso para contar uma boa história.

Mas ali era diferente, o clima do "JChat", um programa jovem, apresentado e assistido em sua maioria por pessoas da minha idade, mudou um pouco as coisas. Sabia que seria uma grande chance para dar mais visibilidade ao meu trabalho, permitir que pessoas vissem "com meus olhos" o que eu vi e, de certa forma, propagar minhas opiniões e transmitir uma mensagem para quem estivesse assistindo.

Como jornalista e trabalhando com TV desde que me formei, consegui me acostumar com a câmera, mas admito que o "ao vivo" ainda me causa aquele friozinho na barriga. Por sorte, a apresentadora Ilode Aldevina, que não deve ser mais velha do que eu, deixou as coisas mais fáceis e permitiu que eu ficasse mais à vontade ao longo do programa.

Não sei ao certo, mas imagino que tenha ficado por mais de meia-hora no ar. Falamos sobre tudo. Minhas experiências no Brasil, Australia, Asia e África e ainda exibiram os meus filmes na íntegra, sempre abrindo um debate sobre os assuntos abordados após cada exibição.

Cada novo tópico introduzido à conversa trazia novas brincadeiras, risadas e, antes que eu percebesse, já estava na hora de finalizar aquele bate-papo que já parecia uma conversa entre amigos.

Hoje sou um comunicador. Estudei para isso e é isso o que gosto de fazer. Gosto de acreditar no "romantismo" de que uma boa comunicação pode mudar a forma das pessoas pensarem e mudando a forma delas pensarem podemos influenciar e começar uma mudança no mundo.

Chamo de romantismo, pois sei que esse é um processo longo e muito difícil. Algo que depende não só de mim, mas de diversas pessoas, filmes, rádios e canais de televisão, que tem em suas mãos o poder da informação e a autonomia para usá-lo da forma que bem entenderem. Seja ela para o bem ou para o mau.

A entrevista acabou e me deixou com um sentimento de missão cumprida. Um respirar aliviado de quem sabe que, nesse longo processo de mudança das pessoas, pôde dar a sua contribuição.

Outra coisa que me deixou muito feliz é que diferente do que digo no vídeo "Casa do Samito", que a família Nhamposa provavelmente não conseguiria assisti-lo, por não ter energia elétrica ou televisão, a exibição em TV aberta veio como uma possibilidade para que isso acontecesse. Ainda não tenho certeza se aconteceu, pois ainda não pude confirmar, mas quando liguei ontem para o Samito,  avisando sobre a entrevista, ele me garantiu que não perderia por nada. Faria inclusive uma mobilização em casa para quem pudessem assistir em algum vizinho.

Eis o poder da comunicação, ligando pessoas, passando mensagens e sendo aproveitada para o bem, como foi criada para fazer. Parabéns e obrigado a toda produção da TV TIM, por me dar essa chance e me receber de forma tão profissional!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Chamanculo, o conquistador


Um conquistador. Essa foi a simples definição de um amiga, quanto pedi-lhe a opinião sobre o lugar em que nasceu e cresceu, o Chamanculo. Hoje, mesmo convivendo há pouco tempo com o bairro, posso dizer que entendo perfeitamente o que ela quer dizer.

Confesso porém, que não foi essa a primeira impressão que tive quando cheguei ali pela primeira vez. O estigma de feio, pobre e perigoso, que tanto tinha ouvido, só se confirmava ao primeiro contato. A má fama, se da ao fato dessa ser hoje uma das comunidades mais pobres e sem estrutura da capital moçambicana.

Bairro do Chamanculo em mais um dia de enchentes

Porém, não demorou nada para que minha opinião começasse a mudar. Com o tempo e a ajuda da ASSCODECHA, instituição para onde tenho trabalhado de forma voluntária, toda aquela pobreza e o suposto perigo foram se transformando em uma beleza, na qual qual poucas vezes vi igual.

Beleza essa que não deriva de paisagens, praias ou coisas que costumamos achar bonitas por ai. O que me conquistou de verdade foram as pessoas da comunidade.

Certamente não posso ignorar a pobreza e nem mesmo a violência que ali existe. O encantamento que ganhei pelo lugar não elimina o fato de que crimes continuam a existir, como em qualquer periferia. Portanto, é preciso manter a atenção. Câmera, celular ou qualquer item que possa chamar atenção de bandidos devem permanecer escondidos. Principalmente quando se anda sozinho por aquelas vielas.

No entanto, grande parte da gratidão que já tenho pelo Chamanculo, posso dizer que devo à ASSCODECHA.

Ativa no bairro há 12 anos, a instituição é financiada pelo governo finlandês e oferece à comunidade serviços assistenciais nas áreas em que mais se faz necessário. Saneamento básico, Educação, apoio à Juventude e Formação profissional. Eu, como não tenho um cargo definido ali dentro, ajudo como posso. Passo grande parte do meu tempo com as crianças (ensinando e aprendendo) e também faço vídeos que mostram a realidade da comunidade e a forma em que a ONG interfere na vida daquelas pessoas. Para um futuro próximo, prefiro acreditar que esses vídeos poderão ajudá-los na angariação de fundos, parceiros ou ativistas.

Workshop de comunicação 
Além disso, novos projeto estão sempre surgindo para me deixar ainda mais empolgado. O último deles, no qual tive o prazer de ajudar, foi o workshop de comunicação. A ideia é ensinar adolescentes sobre a importância de transmitir uma informação de forma eficiente. Seja por vídeo, foto, texto, rede social ou mesmo verbalmente, tentamos mostrar que a comunicação tem o poder de expor a comunidade ao mundo e, quando preciso, de trazer ajuda para o bairro. 

A tarefa é desafiadora, considerando que muitos dos jovens nunca tocaram em um computador, mas ao fim dos treinamentos, a missão será iniciar um processo de troca de informações com um grupo de adolescentes da mesma idade na Finlândia.

Se estou sendo útil ou não para aquelas crianças e adolescentes, essa é uma resposta que não terei tão cedo (se é que terei). Mas uma coisa é certa, tamanha troca de energia e informação é claramente saudável para ambas as partes.

O motivo de tanto carinho, não é difícil de explicar. Ali meu nome passou, de Rodrigo Facundes para "Tio Rodrigo", e por onde quer que eu ande, escuto crianças me chamarem como se já estivessem com saudades e contando as horas para me ver de novo. Cada um dos cumprimentos, eu faço questão de responder com um sorriso enorme, que sai do meu rosto sem precisar de nenhum esforço. 

Tanto afeto me faz pensar que crianças carentes não precisam só de dinheiro, educação e comida. Não quero diminuir a importância de nenhum desses elementos, mas muitas vezes, tudo o que eles querem de você é o seu carinho e atenção.

Além de toda a interação com as crianças, os colegas de trabalho também se fazem essenciais para que essa experiência seja cada vez mais inesquecível. Todo aquele time, formado por profissionais não muito mais velhos do que eu, me faz perceber o quanto é bom ajudar o próximo. São pessoas que dedicam suas vidas e chegam a ficar até um ano sem salário, apenas para ver a comunidade sorrir. 


Essa é a mais nova lição que tiro nessa minha adorável aventura pela Africa, que a cada dia, já chega mais perto do fim. A experiência de virar o Tio Rodrigo, poder trocar carinho e oferecer informação à tantas crianças e, de quebra, me espelhar naquele time de colegas faz de mim um grande privilegiado. Uma experiência mágica e que devo ao Chamanculo, o grande conquistador, que acaba de conquistar mais um!





segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Mãe, to na TV!


PUTA QUE O PARIU!! Com a boca cheia e um sorriso no rosto… 

Peço desculpas por começar um post "supostamente" jornalístico de forma tão indelicada, mas foi dessa forma que essas palavras saíram da minha boca enquanto voltava para casa hoje, depois de um longo dia e pensando como tudo tem dado tão certo na minha jornada pela África. Dando certo e de forma totalmente guiada por coincidências, destino ou seja qual for o nome disso. 

Na semana passada já havia me impressionado. Falava com uma nova amiga da África sobre um velho amigo do Brasil, o "Lacraia", quem eu gosto como um irmão, mas já não fazia contato há talvez mais de um ano. Dizia que eu gostaria de procurá-lo quando chegasse ao Brasil, pois acreditava que ele poderia me ajudar a entrar em um projeto que ele já participou, de visita e assistência às comunidades ribeirinhas na Amazonia, para fazer lá algo parecido com o que estou fazendo aqui. 

Aí entra a coincidência. Assim que cheguei em casa, logo depois daquela conversa, quem havia deixado uma mensagem no facebook? O próprio! Dizendo que estava acompanhando e gostando das minhas potagens aqui no Blog. Uma rápida conversa e ele disse também que pode sim me ajudar com o projeto da Amazônia, quando eu voltar.

Era a sorte sorrindo para mim pela primeira vez.

Já essa semana postei um vídeo no meu facebook, assistido, curtido e compartilhado por muitos dos meus amigos (por sinal, muito obrigado por isso). Aquela foi a primeira vez que participei como personagem da história, algo que eu não sabia se eu queria ou não fazer nessa viagem. De qualquer forma, o maravilhoso resultado, mostrado pela resposta de quem assistiu, me deixou muito empolgado e com vontade de mostrar o vídeo para mais e mais gente.

Essa manhã, na ASSCODECHA, ONG onde tenho trabalhado como voluntário, mostrei o vídeo ao amigo Zegô, um estudante de cinema que já dirigiu belas produções como documentários, ficções e é tão envolvido na cena do cinema e teatro que até ganhou um papel no filme "Ali", sobre a historia do boxeador Muhammad Ali. Na trama, protagonizada pelo astro Will Smith, ele faz o fã nº 1 do astro, que assim como ele, portava uma deficiência física resultante de uma espécie de paralisia.

O cara é uma fera e tanto talento me deixou apreensivo na hora de mostrar o vídeo. Estava ansioso para ouvir a sua opinião.

Zegô, ou Jose Nhantumbo no mundo do cinema

O filme acabou e, ao invés de me dizer algo, ele apenas pediu para usar meu telefone, discou um numero e começou uma conversa na qual eu só podia ouvir um lado.

"Alô? João, tenho uma coisa para você. O Rodrigo é um amigo brasileiro, jornalista e que tem gravado um material bem bacana por aqui, mostrando a realidade da vida na Africa e tal… O que? Posso mandar ele aí? Ok, ele vai te ligar. Tchau"

O João, do outro lado da linha era ninguém menos que João Ribeiro, o mais consagrado diretor de cinema desse país, que dirigiu o maior sucesso do cinema nacional (O último voo do Flamingo) e participou como produtor-executivo em mega-produções, como o Diamante de Sangue, que tem Leonardo DiCaprio como ator principal.

Daquela conversa, que segundo Zegô, era a forma dele dizer o quanto tinha gostado do meu filme, até a porta da emissora TV TIM, onde João Ribeiro trabalha como diretor geral de conteúdo, foram apenas algumas horas. 

Lá estava eu, sozinho e prestes a conhecer um cara que muito cineasta importante deve querer conhecer.

Um sujeito simples, me recebeu muito bem em uma sala com paredes repletas de cartazes dos filmes que ele dirigiu. Ele assistiu meu filme e de forma muito profissional me teceu maravilhoso elogios.

Sem rasgação de seda! Falou que eu consegui transmitir emoção e que fiz naqueles seis minutos, algo que ele está tentando com que sua equipe faça na TV por muito tempo. Disse até que eu teria emprego garantido em sua equipe, caso eu resolvesse ficar no país por mais tempo.

Isso já seria mais do que o suficiente para um "recém-jornalista" como eu, que aprende muito só de estar do lado de alguém como esse cara. Mas não, ele foi além. Vai exibir os meus filmes em rede nacional e, de quebra, serei entrevistado ao vivo na próxima segunda, durante meia hora em um programa onde exibiremos alguns dos meus vídeos e bateremos um papo sobre as minhas "aventuras".

Chamo tudo isso de coincidência, pois nem mesmo estava nos meus planos mostrar aquele vídeo ao Zegô naquela hora. Não sabia que ele tivesse esses contatos e nem mesmo imaginei que tudo isso pudesse acontecer tão rápido. É isso que explica a primeira frase desse post. 

Saí daquela emissora de TV me considerando um sortudo. Pensando que eu nem precisava de tudo aquilo para que minha viagem tivesse valido a pena, mas que todas essas coisas não devem acontecer por acaso e que tudo deixava a minha passagem pela África ainda mais inesquecível.

Antes de terminar, digo aos moradores de Moçambique (se é que algum lê o meu blog), que a minha entrevista será no "JChat" da TV TIM, na segunda-feira que vem (21), no programa das 13h30 às 16h. 

Para  aqueles que não poderão assistir, com certeza farei um texto aqui para explicar como foi parar de fazer perguntas por um tempo para respondê-las!

Agradeço de coração a força oferecida por Lacraia, Zegô e João, mas agora peço licença, preciso fazer a barba, vou aparecer na TV.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A casa do Samito

Casa da família Nhamposa, em Salela - Inhambane

Sou um grande privilegiado! Assim começo esse post como forma de agradecer pela sorte de ter conhecido o Samito, um moçambicano mais ou menos da minha idade que trabalha como servente no Backpacker onde me hospedei na praia do Tofo. Sua grande simplicidade e aquele sorriso maior do que seu próprio rosto fizeram de nós grandes amigos em poucos dias.

Enquanto essa amizade se formava, crescia em minha mente uma ideia que me acompanhava desde que cheguei à Moçambique. Apesar de lindos, eu acreditava que os lugares em que eu havia estado eram muito turísticos e não retratavam a realidade do país que eu tanto queria conhecer. Sendo assim, comecei a perseguir o plano de morar por um tempo na casa de uma família de verdade, vivendo e entendendo a verdadeira vida moçambicana.

No começo Samito ficou um pouco resistente em me oferecer hospedagem por ter vergonha em mostrar sua casa e as condições em que vive. Para a minha sorte, com o tempo ele passou a entender minhas intenções e oficializou o convite.

Samito, meu novo grande amigo
Não poderia ter sido melhor! A familia Nhamposa mora em uma espécie de aldeia à beira da estrada no bairro de Salela, em Inhambane. Aquelas simples casas de palha dão lar à 12 pessoas entre mãe, pai, filhos, noras e netos. A renda familiar não chega a 6 mil Meticais (U$200) e a comida que vai à mesa, vem em grande maioria da "machamba", nome usado aqui para a horta da própria família.

Apesar de conhecer a pobreza no brasil, nunca, nem de perto eu havia visto condições como aquelas. Não posso chamar de miséria pois não lhes falta comida ou moradia, mas a estrutura fica muito longe das condições que consideramos básicas para se viver. Na casa, não há água encanada, gás ou energia elétrica, o que apenas me fez falta na hora de carregar o celular e o computador.

Porém, sem qualquer demagogia, tamanha pobreza passou despercebida em meio a tanta hospitalidade. Me trataram como se eu fosse um dos filhos, me oferecendo tudo, inclusive o carinho que era dado a todos os outros. Sem mais nem menos!

"Mama" Cecília pronta para mais um dia de pesca
A chefe da casa, quem eu carinhosamente passei a chamar de "Mama", é a dona Cecília. Nascida e crescida naquelas terras ela é um exemplo da (controversa) tradição moçambicana, na qual a mulher é responsável pelo trabalho pesado, enquanto o homem muitas vezes fica com a parte mais fácil. Ela é quem planta, colhe, cozinha, pesca, limpa e prepara as crianças. Sempre com o sorriso gigantesco no rosto.

Seu Manuel, com 64 anos, esta longe de ser um preguiçoso. Assim como a esposa, ele também se mantém sempre ocupado, seja trançando folhas de coqueiro para vender (normalmente usadas para construção de casas) ou estudando. Apesar da pouca educação oferecida em sua época, o "papa" é incrivelmente culto e dessa forma, esta sempre envolvido nas causas da comunidade, tentando ajudar as outras pessoas. Parte do seu tempo, ele dedica ao sonho de fundar uma igreja metodista na comunidade, para dessa forma, dar ainda mais assistência ao povo local.

Entre os irmãos, Samito tira uns trocos com o trabalho no Backpacker, já Pai (nome do irmão de 17 anos) faz uns bicos como pedreiro e Luiz, o mais velhos dos irmãos tem uma banca de artesanato na beira da estrada que, infelizmente, quase não vende. Quando a colheita e a pesca são MUITO boas, é possível complementar a renda da casa com a venda de alguns peixes ou vegetais.

O que particularmente não me fará esquecer tão cedo aquele lugar é o time de crianças com quem passei a maior parte do tempo. Os irmãos Anádio e Iasaldi, juntos com os primos Bêne e Nogueira formam um time de bagunceiros que, quando não estão dormindo, estão provavelmente jogando bola, dançando ou simulando lutas ninjas. Figuras que, apesar de pequenos, ficaram meus grandes amigos. Era como se eu fosse um deles, fazendo tudo o que eles faziam e rindo o tempo todo com tantas palhaçadas. As netas, Neina e Melissia, por quem fiquei apaixonado, são as princesas da casa que completam o time das crianças.

Eis os ninjas: Nóbrega, Iasaldi, Anádio e Bêne
A nossa rotina não tinha nada de glamurosa, mas aquela vida simples era mais do que confortável para mim. Quando acordava, normalmente muito mais cedo do que sempre acordei em minha vida, já podia ouvir os meninos do lado de fora da minha cabana esperando para que eu acordasse. Dali passávamos para apanhar um côco e algumas mangas no caminho para a primeira "refeição" do dia. Essas duas coisas eram tão abundantes que pereciam nunca acabar!

Logo, uma esteira de palha era estendida no chão de areia, dando sinais de que a hora do chá estava por vir, servido com batata doce todas as manhãs. Tudo era tirado da própria plantação e dali apenas o açúcar era comprado. 

A esteira voltava ao chão mais duas vezes no dia. Uma para o almoço e outra para o jantar. Toda vez que isso acontecia, me vinha um friozinho na barriga, já que esse era um dos momentos mais bonitos do nosso dia. Ali, sentados a volta da esteira ficávamos todos comendo, nos olhando e de vez em quando fazendo algum comentário que fazia todos caírem na risada. Aquilo fazia eu me sentir completamente em casa, como parte da família.

Melissia, a princesa da casa
No almoço e no jantar era normalmente servido arroz e caril, um creme que cada dia levava um sabor diferente, seja caranguejo, peixe ou matapa (folha do feijao Nhemba).

O resto do dia era preenchido por muitas brincadeiras com os meninos e pelas funções da "mama", as quais eu fazia questão de ajudar (ou talvez atrapalhar). Nos dias em que ali morei, ajudei na pesca, na machamba e também hora de buscar água no poço, o que normalmente era função das crianças.

Como não havia luz elétrica, não havia muito o que se fazer depois que o jantar se acabava. Perto das oito da noite, aos poucos iam todos se recolhendo aos seus dormitórios.

Foram apenas quatro dias, mas foi o suficiente para me deixar com saudade antes mesmo de me despedir. Aquela vida simples me ensinou que só sentimos falta daquilo que conhecemos. Não existe a possibilidade de se pensar na frase "eu não poderia sobreviver sem o meu I Phone" em uma família que não tem nem roupa para vestir sem precisar repetir as mesmas por vários e vários dias. Como dizia o seu Manuel, "as crianças não reclamam da falta de pão na hora do chá porque cresceram assim, comendo batata doce".

Aquilo fazia todo o sentido para mim e, aos poucos, até mesmo eu comecei a me apaixonar por aquela rotina.

Dali, apenas o banheiro é algo que eu evitaria se pudesse. Tentei e tentei segurar, mas sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que me render ao buraco no chão coberto por toras de madeiras e cercado por paredes de palha. Que desafio!

Tenho certeza que aqueles quatro dias me fizeram ver aquela rotina de forma um tanto diferente do que realmente possa ser. Para alguém que cresceu assistindo desenhos na TV a cabo, como grande parte da classe media brasileira, soa como uma grande experiência viver sem luz ou água por um tempo, mas para eles essa já não é mais uma grande aventura há muito tempo.

Quem nunca teve acesso a qualquer tipo de tecnologia, faria tudo pela oportunidade de ter coisas que nós nem temos e nem mesmo damos valor. E eles merecem isso! Merecem ser vistos e ouvidos, para que recebam direitos mínimos, como luz, água e saneamento. Algo que, infelizmente, ainda parece estar distante e custar muito mais do que eles podem pagar.

Todo o carinho que recebi naqueles dias, tentei retribuir da melhor forma possível. Comprei 10 kilos de arroz, 2 litros de óleo, 2 kg de amendoim, sabão, chocolates, cadernos e brinquedos para as crianças. Foi o que meu baixo orçamento permitiu que eu fizesse como agradecimento. Mas ainda assim, sinto que é pouco, perto da maravilhosa recepção que tive.

Deixo aqui meu grande obrigado ao Samito e a família Nhamposa pelo maravilhoso tempo que passamos juntos. Agradeço por me lembrarem o quão boa é a vida simples e por me ensinarem que não precisa ser rico para ser feliz e ajudar as pessoas. Deixo essa casa, após quatro dias, como um ser humano muito melhor e, do fundo do meu coração, espero vê-los novamente!