quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Feliz, muito feliz, natal




Os últimos 11 meses me obrigaram a passar muitas datas importantes sozinho e de certa forma, aprendi com isso a lidar com a saudade. Mas natal é natal e pela primeira vez em minha vida eu passaria esta dia longe da família.

Seria uma data triste se não fosse pelos amigos Pedro, Dani e Paola, dois portugueses e uma brasileira que eu havia conhecido no meu primeiro dia em Maputo. A noite de natal com ceia, sobremesa, bebidas e tudo que eu nem imaginava ter este ano substituiu qualquer resquício de tristeza por muita risada e diversão.

Ainda durante o jantar, descobri que a programação do dia seguinte já estava montada e visitaríamos o orfanato Casa da Alegria (formamente nomeado como Missionárias da Caridade) para levar algumas roupas, brinquedos e tudo mais que eles haviam coletado. A ideia soou como musica para mim, uma vez que eu já estava planejando fazer algo do tipo.

Chegamos ao instituto, que fica no bairro de Hulene B, em Maputo, e logo fomos recebidos por dois belos meninos que correram para abrir um grande portão verde sem nem mesmo perguntar quem éramos. Não tínhamos ligado para falar sobre a visita, mas o calor de cada aperto de mão dos garotos que estavam ali pela frente, já davam pistas de que isso não seria um problema.

Nos apresentamos à uma das freiras que comandam a instituição e logo entramos no pátio, onde brincavam praticamente todas as 70 crianças que ali moram e estudam.

Foi só chegarmos para que todas elas parassem o que estavam fazendo para correr e nos cumprimentar. Uma canção de boas vindas, puxada por uma das crianças, fez com que já nos sentíssemos em casa enquanto todas as outras nos distribuíam abraços, beijos e apertos de mão. 

A câmera, que eu estava usando para filmar e fotografar tudo foi uma atração especial. Não havia um que não quisesse posar para uma foto e depois ver como tinha ficado. Um deles, gargalhava e gritava o próprio nome toda vez que se reconhecia em uma foto: "Zézico, Zézico!", dizia ele.

Antes de continuar essa historia, alguns dados do país se fazem importantes. Hoje em dia, uma mistura de pobreza e falta de informação faz com que 16 % da população adulta (entre 15 e 49 anos) seja portadora do vírus HIV. Segundo a estimativa da UNICEF, há cerca de 1,6 milhão de crianças orfãs no país, sendo que 350 mil perderam seus pais devido ao vírus da AIDS.

Uma realidade triste, que se reflete também naquele orfanato. Das 95 crianças e adolescentes, 81 são soropositivas, sendo que a grande maioria deles ainda nem sabem disso, por serem muito novos para essa conversa.

É triste, soa triste, mas em todo o tempo que por ali estávamos, posso garantir que não vi essa tristeza passar nem mesmo de longe. Cada olhar, abraço, sorriso e bagunça deve ser um escudo para deixar qualquer energia negativa trancada bem longe, do lado de fora daquele portão verde.

Pedro
Dani
Paola
Uma das portas ao lado do pátio dava acesso a um berçário, hoje com 18 bebes órfãos entre zero e um ano, que recebem das freiras toda assistência e carinho necessários. Os gêmeos, caçulas do orfanato, com apenas três semanas de vida, haviam chegado naquele dia de natal, deixados pelo pai após a morte da mãe.

Por ali ficamos ainda mais uma ou duas horas, brincando com as crianças, assistindo as apresentações de teatro especialmente produzidas para o natal e depois caminhando para conhecer o resto do instituto. Uma visita pela escola, que hoje atende 500 crianças (até a 5ª serie) e um alojamento para os meninos mais velhos (até 18 anos) deu fim ao nosso "tour". Depois disso, deixamos as doações e nos despedimos com um forte abraço em cada um das irmãs.

No carro, o silêncio e algumas frases sem começo ou fim davam sinal de que estávamos todos ainda em "transe", sem entender muito bem o que tinha acabado de acontecer.

Ainda não sei bem traduzir a lição que tiro dessa experiência, mas o fato de estar com todas aquelas crianças que, independente das condições, tem uma montanha de felicidade para distribuir e também de ver as freiras dedicando suas vidas para ajudá-los sem esperar absolutamente nada em troca (elas nem mesmo pedem doações) é algo que me fez pensar e sorrir.

Aqui, deixo o meu parabéns a todos que organizam e contribuem de alguma forma com o instituto Missionárias da Caridade. Um belo trabalho, que fez do meu natal um dia MUITO feliz. Obrigado!


Zézico, o modelo

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

E a aventura começou…


Começou e começou a pé. Poderia ter sido de carro, ônibus ou avião, mas foi andando que entrei no pais que em vou morar pelas próximas seis semanas. O ônibus que saiu de Johannesburgo, na Africa do sul, em direção à Maputo, capital daqui de Moçambique, já dava sinais que protagonizaria uma longa viagem, antes mesmo que ela começasse. Foram duas horas de atraso antes de deixarmos "Joburgo", e quando chegamos à fronteira, encontramos o maior e mais louco congestionamento que já vi. A impressão era de que todo os sul-africanos estavam indo na mesma direção para passar as festas de natal e ano novo. Um congestionamento tão intenso que, entre seis e dez da manhã, não havíamos avançado nem mesmo um metro. 

O caos fez com que eu e o Hans, um amigo da Bélgica que tinha conhecido na rodoviária, tivéssemos a mesma ideia.  Soava muito bem o plano de deixar o ônibus para trás e seguir caminhando até a fronteira para adiantar os processos do visto, já que entre todos os passageiros, nós éramos os únicos que precisariam passar por isso. Dessa forma, poderíamos deixar tudo organizado sem perder o ônibus que já havia dito que não nos esperaria. "Sounds good!"

Seria o plano perfeito, e no final das contas até foi, mas após andarmos por uns quinze minutos descobrimos que havíamos saltado do ônibus cedo demais. Ainda restavam cerca de 10 km para a fronteira e já não fazia mais sentido voltar e ficar no ônibus sem fazer nenhum avanço.

Posso dizer que aquele foi o meu primeiro contato com a Africa de verdade. Até então, os dois outros dias no país se resumiram a aeroportos e horas descansado no hotel. Mas ali estávamos, Hans e eu caminhando por horas no meio de milhares e milhares de carros, todos provavelmente fabricados antes de 1990 e "decorando" o meu caminho com uma fumaça preta, que fazia eu me sentir dentro de um Malboro vermelho (sem filtro). O sol das dez da manha também não dava mole nem por um segundo, mas o cenário era tão legal que nem pensei em reclamar. Dentro dos milhares de carros, não havia uma pessoa que não olhasse com certa curiosidade para os únicos brancos (como infelizmente me veem) por ali. Nós, por outro lado, respondíamos ao olhar com a mesma ou até uma maior curiosidade.

Moçambique já foi por anos o pais mais pobre do mundo (principalmente nos tempos da guerra civil entre 76 e 92) e hoje ainda vive em uma situação de grande pobreza (ainda entre os quatro últimos do ranking de IDH em 2011), apesar do significativo desenvolvimento nos últimos tempo. Esse fato explica uma das principais características daquele transito. A pouca produção local e o difícil acesso de mercadorias cria um custo de vida muito caro. Para economizar, os moradores são obrigados a cruzar fronteiras até mesmo para comprar os alimentos mais básicos como cebola, ovos e batata.  Esses três ingredientes por sinal, dividiam espaço em praticamente todos os carros, com muitas, mas muitas outras bagagens como colchões, geladeiras, cachorros, bicicletas e normalmente outras pessoas espremidas pelos porta-malas. 

Chegamos à fronteira após duas horas de caminhada e alguns trocados gastos em águas, refrigerantes e frutas pelo caminho. O lugar sem muita estrutura e organização dava pistas de que os procedimentos não seriam lá tão normais. 

Eu estava apreensivo por ter esquecido no ônibus o meu comprovante da vacina de febre amarela, que segundo eu acreditava, seria fundamental para a minha entrada no país. No final, acabaram nem me pedindo nada além do meu passaporte e um pequeno formulário preenchido. A hora de pagar era o que realmente importava. Hans, que não tinha nenhum dinheiro local teve pagar 100 dólares americanos, já que o agente "não tinha troco" para cobrar apenas os 87 dólares da taxa. "Buuuuulshit", como falamos discretamente um para o outro quando ele virou as costas pela primeira vez. Aquilo soava claramente como um "gato" para conseguir um extra de uns gringos que não tinham mais paciência para longas discussões. 

Depois disso mandamos um "high-five" para comemorar a missão cumprida, pois teoricamente seria só esperar pelo ônibus por no máximo uma ou duas horas e o nosso plano teria sido perfeito. 

"Teria", se não fosse ter ligado para o motorista dez horas depois para descobrir que ele ainda estava no mesmo lugar que havíamos deixado o ônibus. O pior de tudo, com as nossas bagagens!

Foi só uma questão de tempo para descobrirmos que não iríamos esperar. Ligamos para um amigo local do Hans, que foi nos buscar e garantiu nossa chegada em Maputo a meia noite de sábado, 24 horas depois da partida. Os demais passageiros não tiveram a mesma sorte, chegaram dez horas depois de nós.

Porem o fato de ter chegado só me deixava ainda mais preocupado. Um dos principais motivos que me fizeram vir para a Africa foi a vontade de trabalhar de forma voluntária com crianças e ao mesmo tempo entrevistar pessoas e editar alguns "mini-documentarios" em video, plano eu que jamais poderia realizar se algo acontecesse as minhas bagagens (incluindo câmera e computador), que no momento estavam bem longe de mim.

Todos que me ouviam comentar sobre a historia da bagagem me respondiam com uma cara de "ihhh", dizendo que "se as coisas somem por aqui, mesmo quando estamos do lado delas, imagine estando longe". Conversas que não me deixaram nada confortáveis durante toda a noite, mas por sorte, MUITA SORTE, cheguei ao escritório da operadora do ônibus esta manhã e lá estavam as minhas duas malas intactas, uma com a câmera e outra com o computador, minha prancha e o meu skate, que sentimentalmente valem muito mais do que os dois outros objetos.

Ufa! Agora tudo o que me restava fazer era sacar a grana do "taxiseiro", como eles chamam por aqui, ir para casa tomar um banho e finalmente descansar. 

Todo esse "perrengue" teria sido suficiente para qualquer um, mas não para mim, o "azarado mais sortudo do mundo".

O grito de "MEU DEUS, COMO EU SOU BUUURRO" saiu voluntariamente da minha boca quando vi que havia esquecido o cartão de credito no caixa eletrônico, quando saquei o dinheiro para o taxista, há uma hora e uns bons km de onde eu estava.

Teria sido a segunda vez em uma semana, sendo que o meu mais importante cartão, eu tinha perdido em Bali no dia do embarque para a Africa. Mas ali estava a sorte, mais uma vez ao meu lado, passando a mão nessa cabeça, que como diz a minha mãe, eu só não esqueço pois esta grudada no pescoço! Cheguei no caixa e lá estava o cartão, no bolso do segurança que o encontrou logo depois que eu sai. Viva o otimismo, fazendo tudo dar certo para mim!!

Deixei uma grana para o cara, fui almoçar e finalmente pude descansar e refletir sobre as últimas horas. Delas ficam lições muito importantes, para deixar de ser IDIOTA e ficar perdendo coisas o tempo todo e ainda mais importante, amizades muito boas e providenciais para o contexto dessa viagem.

Hans, o belgo do ônibus mora no Congo, trabalha em uma ONG fazendo projetos de proteção, assistência e educação a comunidade local. As horas de conversa me renderam ótimas dicas e ideias para os trabalhos que procuro fazer.  Marco, o Moçambicano, amigo do Hans conhecia todo mundo por aqui e além de salvar minha pele com a carona, me trouxe ao único backpacker que ainda não estiva lotado. E finalmente a Carolina, francesa, namorada do Marco e também amiga do Hans, que já mora aqui há algum tempo e parece ser super envolvida com projetos voluntários. Uma das dicas que ela me deu pode ser a peça chave para a minha viagem. Ela falou sobre uma instituição em Inharrime, um povoado no meio do nada há algumas horas daqui, que aparentemente atua como orfanato e escola para cerca de 100 crianças.

Agora, depois de toda a aventura, amizades e informações coletadas nas últimas horas, posso estar a um passo, ou a um "google" de encontrar o projeto em que vou atuar pelas próximas semanas. Ligarei para essa instituição, recomendada pela Carolina, esperando ouvir que serei bem vindo para ajudá-los, filma-los e entrevistá-los pelos próximos dias. Vou torcer!

Enquanto isso, fico com o sentimento de que, após passar 10 meses na Australia, um lugar super desenvolvido e também alguns dias na Indonesia, um paraíso completamente turístico, a verdadeira aventura esta apenas começando!! E tudo que eu quero e vivê-la!!

Um bom tapa na cara


Um bom tapa na cara! É isso o que levamos ao experimentar culturas tão diferentes, que nos fazem crescer e repensar a nossa forma de olhar para o mundo. Mudar nossas opiniões, fortalecer nossos valores e estabelecer novos conceitos. Tapas na cara podem soar agressivo, mas nos fazem pensar, crescer e melhorar. Ao invés de lágrimas, nos trazem felicidade, em sua mais pura forma, por mais estranho que isso possa parecer.
Minha viagem começou há 11 meses, na Australia, passou por um curto espaço de tempo na Asia, mas é agora, após a minha estreia em solo africano, que esse tapa está tocando o meu rosto pela primeira vez.
Hoje, em Moçambique, descubro um país pobre, com uma cultura muito rica. Venho para tentar ajudá-los, mas com uma forte desconfiança de que são eles é que estão me ajudando.
São experiencias que vivo a cada minuto e que de alguma forma, me fazem parar, pensar, melhorar.
Como jornalista, pretendo ao longo da minha estadia na Africa, editar vídeos para contar historias e promover uma maior visibilidade às comunidades locais, mas esse Blog vem como uma ferramenta essencial para que eu possa também dividir aquelas experiências que não caberão nos vídeos.
Serão pensamentos, fotos e principalmente relatos sobre o que viverei por aqui. Espero que gostem...